Um dia, perguntaram “Por que você fala tanto em sonhos?”. “Você
precisa ser mais realista!”, disseram em seguida. De repente, seu
universo pessoal, sempre tão expansivo, ficou pequeno e apertado. Seus
desejos murcharam junto às flores tristes do canteiro. E os olhos
ficaram carregados do ceticismo de quem não consegue sonhar.
A realidade caiu como uma bomba em sua cabeça! Nos jornais, as mesmas
notícias da corrupção e do preço da gasolina subindo. Nas ruas, os
mendigos pedindo esmola para os carrões de vidro fechado. Nas escolas,
alunos xingando professores enquanto educadores maltratam crianças.
Roubo aqui, terrorismo ali e terremoto acolá. Em todos os lugares, gente
ficando sem casa, água e esperança.
O pensamento ficou pesado e o coração inquieto. Sim, você sabia muito
bem ser realista! Trabalhando todos os dias, pagando as suas contas,
convivendo em sociedade e cumprindo as suas obrigações. Sendo parte
dessa massa de gente que acorda todos os dias para fazer tudo igual. Até
então, você conseguia sobreviver. Você voava sobre a vida, mas veio
alguém e lhe cortou os sonhos.
Aí, foi-se uma vez um sonhador… Você. Você que adorava o mundo de
contos que inventava, narrando as suas próprias histórias. Brincava a
felicidade com pincéis de faz de conta. Amava a música que aprendia a
tocar. Pulava entre as letras, as notas e a magia que preenchiam os seus
dias vazios.
Mas os desafios para ser adulto não acabavam nunca, e você passou a
ter muita responsabilidade no mundo real que gritava na sua cara:
“Acorde! Vem se afogar comigo!”. Sufocado por rotinas, você passou a
andar por curvas longas e terrenos incertos.
Até que, um dia, resolveu olhar para dentro de si, para dentro do
abismo que se formava. Viu uma caixa na beirinha do buraco escuro. Você
se aproximou com cuidado e abriu a caixa. Encontrou palavras coloridas,
partituras de fantasias e vários lápis de mistério. Folheou um livro
invisível que fora lido tantas vezes antes. Viu as folhas em branco dos
cadernos que esperavam.
Você se perguntou por que havia se esquecido da sua caixa tanto tempo
assim. No decorrer dos dias, em seus compromissos, contas para pagar e
outras pessoas para cuidar, é tão comum se esquecer de si e dos seus
sonhos. E é tão comum deixar as próprias vontades de lado.
Só que você começou a abrir as lembranças guardadas em todos os
lugares. Curioso, vasculhou as que estavam enfileiradas nas prateleiras
da sua memória. Ansioso, encontrou as que estavam escondidas no vão da
indiferença. Surpreso, descobriu que pensar nas saudades também preenche
o vazio que elas deixam. Animado, reconheceu que dar atenção àquilo que
te faz falta o coloca à prova de você mesmo. Então, olhou de frente
seus melhores e piores sentidos e voltou a sonhar.
O universo se iluminou outra vez! Os dias seguintes continuariam
trabalhosos e cansativos, você já sabia, mas, daquele dia em diante, a
sua caixa de sonhos estava aberta. Seus limites começaram a se expandir
novamente, você viu que o sentido das coisas continua dentro de você.
Aos poucos, seria possível esvaziar as suas gavetas de medos e abrir o
seu baú de segredos. E poderia seguir as borboletas para pintar as
flores dos seus jardins esquecidos. Sua caminhada seria uma busca das
suas lembranças e o descobrimento do desconhecido.
Nessa jornada pela vida, em que há tantos porquês sem respostas e tantas
dores sem cura, há também os sonhos. E sonhar é um grande espetáculo de
existência, fé e arte.
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